Por que queremos nos matar



Acabou
Não sei se tem volta
A gente tá ansioso
A gente tá rosnando
Pra devorar o outro

Parte dos povos originários do Brasil
Criados ao costume antropofágico
Comiam as partes dos corpos de seus inimigos
A fim de absorverem suas habilidades
Isto faz tempo
Já quase não existem povos originários
Não por acaso, já quase não existe Brasil

Na arte, outro movimento antropofágico se fez no Brasil
Artistas dedicados a devorarem tudo que se produzia fora do país
Pra juntarem às muitas culturas que o mesmo país sempre produziu
E desse mingau doce, reduzido, fervido
Descobríssemos nosso próprio ritmo
Nossos próprios fascínios
Delírios
Libidos
Delírios fascinados pela libido

Aí veio outro tempo
O da AutoAntropofagiaZista

A gente não suporta mais o outro
Todo mundo na rua
Só quer passar por cima
O outro é sempre o inimigo
Alvo definitivo de nosso ódio mordido

No supermercado ninguém se olha na cara
Com o carrinho veloz, vê se não me atrapalha
No trânsito o carro é o rei do espaço
De dentro nem vejo quem passa
Tô nem vendo, passo e despasso
Vendededor de bala por que
Não me enche
Eu tenho o que fazer
Esmola? Tô nem velho gagá
Vaza logo vagabundo, vai trabalhar
Na escola, se sou aluno
Agora posso filmar
Tapa na cara do professor se ele vacilar
Como professor, tenho que aguentar
Mas se pudesse, também matava uns
Pra desestressar
Em casa não consigo nem falar
Gente falsa
Descarada
Ninguém presta. Eu vou é vazar
Dos vizinhos nem vou falar
Gente doida
Melhor ignorar
Na igreja glória a deus e aleluia
Mas alma que preste
Não tem mais nenhuma
Se eu pudesse, eu me arrebatava
E o resto eu mesmo queimava
Em todo lugar
Gente só atrapalha


Jornalistas: mato
Familia: mato
Pedestre: mato
Motorista: mato
Professores: mato
Viciados: mato
Artistas: mato
Outros humanos no mesmo supermercado: mato
Gente na calçada: mato
Passageiro do meu lado no avião: mato
Índio: matado
Gays e afins: findados
Oposição: mato
Manifestantes: mato
Esquerdistas: mato
Direitistas: mato
Governo: mato
Povo: também mato

Acabou a mamata
Agora sou eu que mato
Nada de vida de hoje em diante
A gente quer eliminar o outro
Todo mundo invade o meu espaço
Que se dane todo mundo
Eu quero é andar armado




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