Empate - O documentário


 

Eu dava voltas no bairro
No centro
Nos bairros do centro
Entendi cedo que é preciso andar
Pisar
Respirar
Misturar
Pra poder falar

Eu andei

E passei em frente a uma igreja evangélica
O pastor dizia: "Senhor, tenha misericórdia de nós. Ajuda nos".
Eu pensei... as vezes eu fico pensando
As vezes eu só passando
Será que a geração depois de Chico Mendes, além de toda influência tecnológica e digital, também perdeu a consciência por alguma promessa espiritual?
Condução cerebral
Emocional
Corporal
Social
Seringal
?

Eu assisti ao documentário O Empate
Do Sérgio de Carvalho
Produção lá do Acre
Nele tem imagens passadas
Do Chico Mendes
E de toda sua rapaziada
A memória do passado lutado
Enfrentado, conquistado, baleado
O Chico Mendes foi baleado
Enterrado

Lá no documentário
Sérgio mostra a atualidade daquelas antigas batalhas
Os homens e mulheres daquela realidade passada
Que respiraram um pouco nos últimos vinte
Quinze anos
Mas que agora foram arrastados para o sufoco de novo
Passado, atualizado
Sufoco do passado atualizado de novo
Aí eu vejo nas imagens
Os olhos vivos de outrora
Agora apagados
O brilho tá indo embora
As cabeças de agora esbranquiçadas
Mas diante das velhas novas ameaças
Cabeças ameaçadas
Se empunham de novo ao diálogo sem armas
Na assembléia
No plenário
Nas câmaras
E nas florestas preservadas
Até no cinema
Suas vidas sempre valeram à pena
Mas agora cansadas

Seus filhos, netos e crianças pequenas
Capturados pela tela iluminada do celular
Quase nada tem a falar
Eles olham, escutam e sobre alguma coisa aprendem
Mas alguma coisa a mais não entendem
É preciso brilhar os olhos
Pro tal do diálogo sem armas
É preciso outra consciência
Que não a da fé sem obras
Que não é nada
Não tem paciência

Tem menino demais querendo tênis
Tem menino demais querendo carro
Casa grande, fazenda, mil cabeças de gado
Ano eleitoreiro
Querem amizade com o prefeito
Com o juiz, deputado, promotor
Acham incrível os Bolsonaro

Tem culto no domingo pra ficar rico rapidinho
Tem culto no sábado pra casar e ir morar em São Paulo
Tem promessa de emprego grande
Roupas novas, aumentar o salário
O povo não é mole
Quem gosta de floresta é índio, ONG, artista, intelectual
Tudo bando de safado
Ninguém mais engole

Pra que brigar por chão, floresta, tudo acabado
Vende logo essa miséria
Ganha um pouco e vá se embora
Lá fora é que tá o negócio
Comida farta, casa grande e os caralho
Sai logo dessa vida
De miséria e diálogo sem armas
Mete logo um oitão debaixo da camisa
E sai por aí cantando pneu
Lá no asfalto
Todo malhado, bombado, enricado
Abençoado

Foi Deus quem me deu
Coragem pra sair do mato
Fé pra sonhar alto
Dinheiro pra comprar carro, casa e arma
E um presidente abençoado
Tô caindo fora mesmo
Aqui só fica quem é otário

Falta brilho nos olhos
Pra saber que a floresta é o futuro dos desgraçados
Vai ser ela o esconderijo
Dos que lá fora ouvirem as primeiras bombas no asfalto
Os primeiros tiros
É séria essa história: Cidade grande, logo vai virar pó e cinza
Um não lugar sem memória

Floresta é co-le-ti-vi-da-de

Só sobrevive quem vive de verdade
Os pés na água, a cara no sol, o corpo na terra, o fruto na boca, o peixe na panela, os pássaros sem gaiola

Mas antes do futuro
Floresta é agora
A casa dos agraciados
Riqueza sem fim dos aflorestados
Gente rica de pés descalços
Riqueza descoberta com árvore apontada para o alto
Viva, de pé, verde
Toda a mata
Mesmo sem gado

Falta brilho nos olhos
Pra fazer pergunta curta, besta, quase leseira
Pra Quê?
Pra quê mesmo essa derrubadeira de árvores?
Pra quê mesmo essa ruma de terra pastagem?
Pra quê mesmo esse cava cava de garimpagem?
Pra quê mesmo essa vida toda a modernidade?
Do que é feito mesmo essa tal pavulagem?

Modernidade

Pra quem? Com quem? As custas de quem? Pra Quê?
Vai ter alguém vivo no final dessa bestagem?
Algum lugar com sombra pra suco de açaí com peixe assado na brasa?
Alguma água limpa pra nós tomar banho
Com praia
?
Vai ter ar puro, saúde, casa boa pra todo mundo, salário igual, lugar decente

Sem precisar de muro

Nessa tal modernidade?

É só se fazer pergunta besta
Quando for orar, não baixa a cabeça

Era a impressão sobre um filme
Eram divagações sobre o olhar convertido
Tranquilizador, conformado
Dos que lutaram no passado
Ao lado do Chico

Era pra indagar os jovenzinhos
Com que olhar eles seguem no caminho
Se tem brilho ou se tem pixels
Se tem arminha, ou se tem senso de justiça
Coletiva
Reflexiva
Aí me fui indo pelas perguntinhas
E agora ao invés de uma impressãozinha
Eu tenho um mundo cheio de cortinas

Vou revelando cada uma
Pensando que sei suas ladainhas
Se não souber não tem problema
Faço das questões o meu dilema
O meu brilho
O meu passo
A minha existência

Neste pseudoAntiPoema

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