Maria Alice Vergueiro e o Teatro Amazonense


Jady Castro. Praça da Saudade. Foto, de Francisco Rider. Manaus, AM. 2020

Maria Alice ou Fernandona?
Do que é feito o Teatro do Amazonas?

Em Manaus adoramos glamour.
Adoramos cargos públicos.
Adoramos o luxo da história.
Belle Èpoque.
Obcecados pelo luxo.
É quase regra a reprodução desse luxo e época em nossos espaços culturais, domésticos e mentais.
Logo, nosso Teatro, nosso pensamento sobre a cena, são muito mais aproximados das grandes produções, das grandes montagens, dos grandes textos, das grandes personagens.
E ninguém, melhor que Fernanda Montenegro, para representar esse Teatro.
Dama e Senhora dos palcos brasileiros, Dona Montenegro é quem melhor representa esse grande Teatro.
O grande Teatro brasileiro do século XX, o grande Teatro pós-guerra, o grande Teatro dos clássicos gregos, italianos e franceses, o grande Teatro Pós-Moderno, experimentado à exaustão antes dos anos 2000.
Todos tem voz pelo corpo e inteligência de Fernanda.

O Teatro em Manaus reconhece e oferece todos os tapetes à grande dama.
Merecidamente.

Mas Manaus, o Amazonas, pouco investimento tem na Cultura, na Arte, no Teatro.
Pouca tradição tem nos clássicos, nas grandes montagens, nas grandes produções, nos grandes e lendários diretores.
Não há estudos sobre grandes textos da dramaturgia ocidental. Não há tradição na formação de atores, de oradores, técnicos, diretores.

Não há.

Mas o Amazonas é feito de grandezas.
Território, Cultura, ancestralidades, valores naturais imensuráveis, população multiétnica.
Não nos falta grandeza.

E nós gostamos.
Tentamos.
Forçamos.
Sonhamos.
Mas... não conseguimos.
Grupos, Artistas, produções grandiosas, ficam restritas à condições momentâneas, impossibilitando temporadas e alguma rotina de produção.
Ficamos à mercê de editais que possibilitem uma ou outra grande produção, para duas ou três apresentações apenas ou, um festival anual de Ópera, com toda grandeza possível, de orçamento de nível internacional.

Mega.

Porém, único.
Momentâneo.
Pontual.
Nada de temporadas, nada de rotina de produção.

O que fazer, então?

Fazer mesmo assim?

Esperar um ano, dois anos, para montarmos a grande peça, para algumas apresentações e, nos dedicarmos a qualquer outro Ofício ou ocupação que nos garanta o financeiro? Pois o teatro não poderá ser nossa prioridade?

Nossas vidas são luxuosas demais.
Somos Fernanda demais.
Não cabemos em nossa realidade.
Somos Fernanda sem o grande Teatro de Fernanda.
Somos Fernandas sem os textos, palcos, diretores, orçamentos, mercados e visibilidades de Fernanda.

Somos Fernanda que são Professoras, Pedagogas, Feirantes, Comerciantes, Funcionárias públicas, Cozinheiras, Faxineiras, Médicas, Advogadas.
Somos Fernanda Qualquer Coisa para poder comer.
E se possível, mais que comer, viver o luxo pretendido, sonhado, fantasiado.
Como bom Amazonense.

Mas somos Fernanda.

Somos Fernanda de Porão.
Sem que isto nos pareça agressão.

Dona Fernanda Montenegro, dama do Teatro brasileiro, faz tempo, descobriu os porões, as periferias, as quebradas, as escadarias.
Seu grande Teatro, chegou nas suas células, pele, ossos, pensamentos, condutas, posturas, no social, no existencial e, faz tempo, já dispensou os grandes figurinos, maquiagem, cenários, grandes diretores, orçamentos, glamour.
Fernanda SE FEZ O Grande Teatro.

E aí, lembramos que uma outra Atriz, já era dama desses porões e, já tinha esse Grande Teatro nos ossos.

Maria Alice Vergueiro.

Atriz de todos os tipos de grupos, produções, orçamentos, palcos, direções, atuações, linguagens, poéticas, profissões, tradições e transpirações.

Faz tempo, já dominava a sarjeta da Cultura Brasileira, do Teatro brasileiro sem glamour.

Alice é Maria.

E apesar de ser Vergueiro, grandeza e luxo, tradição de família, pulou fora de qualquer estagnação e apatia.

Fez tudo.
Sentiu tudo.
Foi tudo.
Montar o que quer e quando quer, sem permissões.
Saber o Teatro que precisa ser feito e fazê-lo.
Gritar.
Se virar.

Então, Maria Alice é dama sem grande palco, grandes produções?
Maria Alice é dama com e sem grandes palcos e produções.
Maria Alice é dama sem nenhuma obrigação.
Maria Alice é dama do jeito que quer.
Do jeito que quis.

Maria Alice é Fernanda.
Fernanda é Maria Alice.
Fernanda e Alice são Teatro.
Pura Arte de estar, existir, expandir.

Nossa grandeza amazônica tem muito de Fernanda.
Precisamos da amazona Fernanda.
Precisamos da amazona Vergueiro.
Somos muito mais porões que grandes palcos.
Somos muito mais periferias que grandes produções e orçamentos.
Podemos muito mais assumindo os porões do Teatro amazonense, do que esperando os editais e palcos para as grandes produções de três apresentações.

O Teatro, já é grandeza.
E nada tem a ver com ser grande em estruturas.

Fernanda descobriu.
Maria Alice já sabia.
Já era.
Fátima, Ednelza, Socorro Lambeck, Neuza Rita, Santiago, Refkalefsky.
Sempre foram. Sempre souberam.

Todas Teatronas.
Sem glamour de novelas.

Falta nós, nas Amazonas infinitas, em início de carreira, descobrirmos nossas próprias grandezas.
E explodir para todo lado.
Por todos os becos.
Ruas e aldeiados.
Nossa grandeza de muitos Teatros.

Somos muito mais Maria que Arlete fernandada.

Viva Fernanda Montenegro.
Viva Maria Alice Vergueiro.

Fumemos das duas e, recriemos nossas grandezas.

Viva o Teatro.
Teatra Amazonense.
Que, sob qualquer condição e penitência, se Reinventa.
Persiste.
Existe.
Fermenta.


*Este pensamento escrito e compartilhado neste espaço, é em homenagem à atriz Maria Alice Vergueiro, falecida em 03 de Junho de 2020. 
*Agradecimentos: Pela colaboração, Jorge Bandeira; Pelo estado constante de provocação e pesquisa, Francisco Rider.

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